Em Telavive tudo vibra

Este é o médio oriente cosmopolita e jovem.  A segunda maior cidade de Israel é linha avançada de cultura urbana, gastronomia de vanguarda, música eletrónica, arte.

A singular arquitetura modernista Bauhaus convive com arranha-céus contemporâneos e o património histórico de Jaffa. As surpresas são constantes.

Um conto de duas cidades

Telavive e Jaffa eram duas cidades. A Telavive moderna, cosmopolita, fundada no início do século XX; Jaffa, com os seus três mil anos de história e um porto dos mais antigos do mundo. Em 1950 uniram-se – e Jaffa ganhou o estatuto de “centro histórico” de Telavive.

Em Jaffa, os templos católicos, como a Igreja de São Pedro, franciscana, ou o mosteiro arménio de São Nicolau, convivem com o ortodoxo Mosteiro do Arcanjo Miguel, a sinagoga líbia e a Mesquita Al Bahr. Pelas ruas exíguas que vão dar ao porto há pequenas boutiques, galerias, lojas de design e restaurantes que recebem o peixe fresco de uma faina a partir do Mediterrâneo que leva séculos. O porto passou pelo domínio árabe, pelo Império Otomano, pela conquista, em 1799, por Napoleão Bonaparte, e ocupação pelas tropas britânicas na I Guerra Mundial. Pela marginal que se estende junto às praias passa-se perto da Torre do Relógio, um dos pontos mais visitados e que marca o centro vibrante de Jaffa, com comércio antigo e contemporâneo, mercados, bares e um corrupio permanente de manhã à noite.

Já a imagem de Telavive, além da de Cidade Branca dos milhares de edifícios em estilo Bauhaus, também passa pelos arranha-céus que a assemelham a Miami. A área de Sarona é um exemplo da recuperação bem sucedida de património histórico. Ainda antes da fundação em 1909, instalou-se em 1871, no que é agora o centro, uma colónia de alemães da Sociedade do Templo, uma seita protestante. Acabariam por partir depois da colonização britânica e o local, alvo de recente restauro, tornou-se num espaço de passeatas entre o empedrado das vias largas, os jardins, lagos e os edifícios históricos, hoje destinados a lojas e hotelaria. O quarteirão está rodeado de torres que ultrapassam os 100 e 200 metros de altura.

Diversidade única

“Quando o meio-dia num dia de verão/ faz do céu uma fornalha ardente/ e o coração procura um canto tranquilo para sonhar,/ então venha até mim, meu amigo cansado!”  Uma simples folha na parede de um restaurante vegan em Telavive recordava Hayim Nahman Bialik, considerado o poeta nacional de Israel, que se mudou para a cidade em 1924.

Uma recordação como muitas em Telavive, preenchida por placas alusivas ao mecenato que ajudou a desenvolver a cidade e o país. O convívio com as raízes históricas e, ao mesmo tempo, uma Telavive inovadora, vanguardista, progressista que se destaca e inverte os mais comuns preconceitos sobre o país.

A cidade é intensa e o adjetivo multiplica-se pelos mercados, ruas, bares, restaurantes, praias, onde os cerca de 50 quilómetros que a separam de Jerusalém parecem ter, pelo menos, mais um zero. 

A feira de velharias de Jaffa – o Shuk Ha’Pishpishim, ou Jaffa Flea Market –, as ruas que formam o Mercado de Levinsky, o Mercado dos Agricultores no porto de Namal, o genuíno mercado de Carmel – Shuk Ha’Carmel – ou o sofisticado Mercado de Sarona, e tantos outros, não diferem muito na quantidade de pessoas e na animação e jovialidade. Em quase todos, uma mistura de bancas com café, queijos, saladas, sumos, doces, vinhos, enchidos, especiarias, frutas, vegetais, carne, peixe e muitos outros produtos comuns aos países do Levante e até aos vizinhos turcos e gregos.

Não será por acaso que a identidade israelita resulta de uma diversidade de origens, desde logo a nacionalidade dos pais, avós e até dos mais novos, que se reúnem no Jardim de Florentin, com pouco mais de 16, 17 anos, com raízes entre o alemão, polaco, russo e búlgaro.

Os antigos bairros de americanos ou alemães são provas dessa multiplicidade. Numa divisão simplista, distinguem-se três áreas: a Avenida Rotschild, que marca o centro moderno; Jaffa, a cidade antiga; e as praias a ocidente.

Os dias correm rápido e cedo se percebe que a sexta-feira e o sábado são os “fins de semana europeus” e que o domingo é tal e qual uma segunda-feira. Mas os dias pouco diferem no que diz respeito à quantidade de pessoas que fazem correm ou passeiam nas ruas e praias, nos cafés e bares apinhados, na profusão de trotinetes e bicicletas elétricas e num trânsito algo caótico. No período de sabat, do final do dia de sexta até à mesma hora no sábado, os transportes públicos não funcionam e muitas lojas estão encerradas.

Cidade Branca

“Se todos os edifícios estilo Bauhaus estivessem recuperados em Telavive a cidade seria incomparavelmente mais bonita”, garante um colaborador do White City Center instalado na Casa Liebling no centro da cidade.

O extenso arquivo do centro está dividido por prédios, locais, arquitetos, empreiteiros, empresas e moradores. Para quem reconhece o estilo, intimamente ligado aos arquitetos Walter Gropius e Mies Van Der Rohe, respetivamente fundador e professor da Bauhaus, os edifícios modernistas de Telavive estão literalmente ao virar da esquina. Rondam os quatro mil, dos quais cerca de 400 estão recuperados e representam o maior conjunto mundial deste género de arquitetura.

Telavive é conhecida por Cidade Branca pelo tom dessas construções e em 2003 a UNESCO declarou-a Património da Humanidade. Essa área resultou do plano urbano de Sir Patrick Geddes, com prédios projetados por europeus e israelitas. Vários exemplos encontram-se ao longo da central Avenida Rotschild, mas é na Praça Dizenggof e imediações que a arquitetura se observa em plenitude. Um exemplo emblemático é o Esther Cinema & Hotel.

Porém, não se perceciona na cidade uma harmonia em torno das construções e das diferentes áreas populacionais e comerciais. Os prédios altos alteraram aqueles projetos dos anos 30 e 40. Um dos arquitetos mais famoso em Israel, Etan Kimmel, reconhece que Telavive “ainda procura um pouco a sua identidade”.

Entre o orientalismo, a arquitetura eclética, a fase modernista e as construções contemporâneas, Kimmel aponta para a integração como a solução mais eficaz. Sublinha que os israelitas trouxeram betão para onde quase tudo era pedra. A frase-chave é “diversidade”. Criador do memorial Mount Herzl Memorial em Jerusalém, fundador da Kimmel Eshkolot Architects, responsável por inúmeros projetos públicos, Kimmel desenhou também o L28 Culinary Platform, o primeiro restaurante dedicado a interpretações novas e criativas da culinária de Israel.

A cidade desenha-se em altos e baixos, antigo e moderno, o limpo e sujo, o contraste e multiplicidade, a diferença e o que se torna igual.

Fora de portas

A pouco mais de uma centena de quilómetros de Telavive, a antiga cidade fortificada de Acre, fundada cerca de 1800 a.C., património da UNESCO, é uma opção para mergulhar na história de um local continuamente povoado desde os fenícios e que mantém intactas construções das Cruzadas dos séculos XII e XIII.

Com as suas longas barbas brancas, o cozinheiro e hoteleiro Uri Buri, figura conhecida em todo o país, percorre as ruas como ninguém. Uri comprou dois antigos edifícios com 1500 anos em 2003, mas só em 2012 o seu Efendi Hotel abriu as portas, recuperado por um alemão especialista em antigas construções. Ainda antes, em 1987, abriu um restaurante com o seu nome, próximo do porto, que este ano entrou para a lista dos 25 melhores do mundo em fine dining no site de viagens Tripadvisor.

No espaço, uma antiga casa otomana recuperada, a roda viva é indisfarçável e o ambiente animado. A receita é simples: peixe e marisco fresco, confeção caseira, produtos de qualidade, apresentação inatacável e a arte de Uri. A carta de bebidas só tem vinhos israelitas, mas há cerca de uma centena de referências.

A meio caminho entre Telavive e Acre, a Carmel Winery, em Zichron Yaacov, é uma referência obrigatória no mundo do vinho. O fundador de Israel e primeiro primeiro-ministro, Ben-Gurion, trabalhou na produção, tal como os também primeiros-ministros Levi Eshkol e Ehud Olmert. A casa em foi fundada em 1889 pelo barão Edmond de Rothschild, que já detinha o Chateau Lafite em Bordéus. Nos primeiros anos, ainda sob o domínio otomano, o barão negociou com o califa que o vinho se destinaria à exportação. A maioria das castas, tal como no resto do país, é de origem francesa, mas o livro The Wine Route of Israel aponta a casta Argaman como israelita resultante da mistura da francesa Carignan e da variedade portuguesa Sousão.

Noite vibrante, praia animada

Há lojas, habitações e muito movimento na Rua Derech Jaffa, bem no centro da cidade. Uma via idêntica a outras, urbana, fora do roteiro turístico. Mas, a meio, um edifício banal, com lojas no rés-do-chão, apartamentos de habitação e um portão que se fecha à noite. Fica apenas uma porta mais pequena que não revela a agitação que acontece todas as noites na praceta interior. Os responsáveis por uma estação de rádio na internet, Teder.fm, abrem as portas de um bar, uma pizzaria, uma loja de vinis e um restaurante. Concertos, festas, DJs, transmissões online e um sem número de eventos transformaram o espaço num dos mais hype de Telavive.

A cidade é conhecida por festas que duram a noite toda e pela música eletrónica de dança. As conversas animadas nos cafés e bares são um registo comum, como no bar Herzl 16, no pátio de um prédio de 1921, onde funciona durante o dia um café chique e um restaurante asiático, o Disco Tokyo. A animação do espaço passa pelas mãos do experiente Adi Mahalu.

Telavive agita-se de noite e de dia com uma relação próxima com o Mediterrâneo. Da praia Stella, a sul de Telavive, até à Metsitsim, a norte, antes do rio Yarkon, há muitos areais, com destaque para o Gordon, no coração da cidade. Também não há horas mortas ao longo da marginal. Desde de manhã muito cedo há pessoas a circular, famílias, amigos. Os mais de 25 graus de temperatura dentro e fora de água, pelo menos até ao final de novembro, ajudam na relação próxima com o mar.

Sugestões a não perder


SEGREDOS 

SECRETS HOTEL SETAI 
Junto à Torre do Relógio, ideal para uma bebida de fim de tarde com vista privilegiada para o Mediterrâneo. 

MERCADO DE SERONA 
Um lugar único para explorar as comidas tradicionais do Médio Oriente. 


OBRIGATÓRIO

PELA COSTA  
Entre o antigo e o novo porto, vale a pena o passeio de cerca de uma hora junto ao mar.

JAFFA FLEA MARKET 
No mercado de Jaffa, o restaurante Puaa é opção para comida fresca, autêntica e saborosa. 


TOP

ACRE 
Os sumos fresquíssimos do antigo mercado são imperdíveis. Logo à entrada, uma das bancas é do português Octávio da Silva Sousa. 

No centro histórico de Acre, a casa Hummus Said é um dos melhores sítios de Israel para degustar o respetivo petisco.

JERUSALÉM 
A cerca de uma hora de automóvel de Telavive, Jerusalém merece a deslocação para, pelo menos, conhecer uma pérola escondida: o vibrante mercado Mahane Yehuda, um festival de cores e sabores com restaurantes.

BANANA 
Às sextas-feiras a praia da Banana transforma-se na “praia da batida”: sentados nas falésias, percussionistas tocam bongos e congas comemorando a chegada do sabat. 

FLORENTIN 
Os bares da área de Florentin são dos mais concorridos – é essencial explorá-los. 

por Augusto Freitas de Sousa © up-tap inflight magazine


(Consulte o artigo na Revista in UP, edição de dezembro de 2019)

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